Um homem cheio de si é sempre vazio.
(Pégismanet)
“Vaidades, vaidades, é tudo vaidade! (…)O que resta agora do troar das multidões, dos vivas no circo, das adulações nos anfiteatros? Tudo ruiu.”, já bradava São João Crisóstomo que viveu entre 347 e 407 d.C.
A atualidade das palavras do orador católico demonstra que a sociedade pouco mudou em tantos séculos. Vivemos num círculo vicioso de alternância das pessoas no poder, temperada ao sabor de bajulações, soberba, intolerância e empáfia. Se isto é o retrato da sociedade em todos os seus segmentos, é, muito mais ainda, um diagnóstico fiel do cenário jurídico contemporâneo.
O tema é atual e merece reflexão, nomeadamente porque ganhou espaço na imprensa nacional, a sentença de uma magistrada paraibana que se considera superior aos demais “seres materiais”. Sem se ater ao fato concreto da juíza, esse tipo de comportamento está longe de ser exclusivamente do Poder Judiciário,estendendo-se a toda sorte de membros do Ministério Público, advogados, assessores etc.
O problema é que, quando se envolve com o Direito, se lida com regras de “dever ser”. Os cargos jurídicos são dotados de status privilegiado em virtude dos poderes que lhe são inerentes para fazer prevalecer a lei sobre a vontade das pessoas. Tal aspecto que, embora constitua mais obrigação do que privilégio, perturba a muitos, turbando-lhes a humildade, a tolerância e a consciência de igualdade que deve pairar sobre todo ser humano.
O resultado é catastrófico. São cenas de arrogância, desrespeito, autopromoção, intrigas, e pouca contribuição para uma sociedade mais justa e fraterna. Com tal assertiva, repiso que não me refiro a atos ou pessoas isoladas. Ao revés, a conclusão decorre de uma experiência de 10 anos vivenciando a rotina do Direito, como ex-servidor, ex-juiz, procurador e professor universitário.
Penso que o melhor instrumento para corrigir tal distorção é o espelho. Isto mesmo! É a iniciativa que deveríamos ter de olhar nosso reflexo no espelho da vida, sem as máscaras cotidianas, para aprender que somos repletos de falhas e que os misteres que exercemos jamais poderão ser superiores a nossa própria essência humana. O segredo está em aprender com o passado para não repetir os erros já cometidos. Antes de juízes, advogados, assessores, diretores, procuradores, somos homens e, como tais, sujeitos às vicissitudes da complexa arte de “saber viver”.
De nada adianta exercer mil encargos, se não conseguimos fazer brotar a semente plantada para que cresça a árvore e gere frutos para alimentar uma população. Acho que, hoje e sempre, valoriza-se a forma e se menospreza o conteúdo. E aí, assumo minha parcela de culpa e confesso os meus defeitos, como também produto do meio jurídico.
Está na hora de mudar. Mudança comportamental é a mais difícil porque envolve valores muito íntimos, aos quais, às vezes, renegamos. Vamos abandonar as alegorias, formalidades e a oblação inútil?
Se não mudarmos, a sociedade continuará como na época de Crisóstomo: afogada na imundície da vã vaidade e dos valores obtusos. E, sendo assim, as palavras do santo pensador serão proféticas: um dia, tudo ruirá!
Artigo retirado do site Wscom Online – www.wscom.com.br
Eduardo Varandas