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JORNALISTA DO SISJERN ENTREVISTA O DEPUTADO FLÁVIO DINO SOBRE PEC-190

O jornalista do SISJERN (Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Rio G. do Norte), Rudson Pinheiro Soares, fez uma riquíssima entrevista com o deputado federal Flávio Dino (PCdoB-MA) que nos ajuda a compreender a importância da PEC 190/07 (A PEC da Fenajud que busca instituir o estatuto nacional dos servidores do judiciário e por conseguinte a unificação de carreiras e salários).
A entrevista transcrita e gentilmente cedida pelo Rudson e pelo SISJERN é de leitura obrigatória  para todos servidores do Judiciário que desejam compreender os bastidores do Congresso Nacional e do Judiciário, além, é claro, de servir de subsídio para os debates em torno dos próximos passos para aprovação da PEC 190. Confira a entrevista.
Entrevista Especial
Deputado Federal Flávio Dino – Entre a Política e o Judiciário
Jornalista: Rudson Pinheiro Soares
Vamos às preliminares?
O Deputado Federal Flávio Dino (PCdoB/MA), em função de convocação de última hora lhe feita pelo governador do seu estado, Jacson Lago (PDT), não pôde ficar o tempo que pretendia/deveria, no Seminário Nacional organizado, em Brasília, pela FENAJUD, do qual participou como debatedor. Saiu logo após a fala, sem poder esperar pelo debate. Ele avisou um dia antes, aos organizadores do evento, sobre a convocação do governador. Combinou-se que, em função do horário do vôo do deputado, o debate, no dia seguinte, em que ele estaria/esteve, começaria bastante cedo, às 8h. No horário marcado, o auditório lotado. Não foi à toa.
Um pouco de sua história
Apesar da pouca idade, 40 anos, e de estar em seu primeiro mandato parlamentar, Flávio Dino já é considerado, segundo avaliação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP) e do site Congresso em Foco, um dos parlamentares mais influentes do Congresso Nacional. Em seu primeiro ano de mandato, foi eleito, por 188 jornalistas, o 6º melhor parlamentar de 2007.
Na Câmara dos Deputados, Flávio Dino é membro da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara e vice-líder do bloco PSB, PDT, PCdoB, PMN e PRB. Seu mandato é bastante ligado aos sindicatos de trabalhadores do Judiciário, Brasil afora. Entre outros projetos, é autor – juntamente com a Deputada Alice Portugal (PCdoB/BA) – da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 190, que dispõe sobre a criação do Estatuto dos Servidores do Poder Judiciário. Se aprovada, a PEC abre caminho para a unificação salarial nacional dos trabalhadores do Judiciário. Diz um dos trechos da justificativa da PEC: “O Poder Judiciário possui estrutura una (…). É corrente na doutrina pátria a afirmação de que o Poder Judiciário não é federal nem estadual, mas nacional, vez que é uma das expressões da soberania do Estado”.
                Flávio Dino iniciou sua militância política ainda jovem, como presidente do Grêmio Estudantil Coelho Neto, do Colégio Marista, em 1984. Na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), foi aluno do curso de Direito e Coordenador Geral do Diretório Central dos Estudantes (DCE), em 1987/1988. Foi vice-presidente, de 1990 a 1992, do PT de São Luis, partido que se filiara em 1987. Foi ainda, entre 1991 e 1993, Secretário da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MA. Advogou para movimentos sociais e, em 1994, após, em concurso público, ser aprovado em primeiro lugar no país, ingressou na magistratura federal. Inicialmente, no Maranhão e, depois, convocado, no TRF da 1ª Região, em Brasília.
Tal convocação fez com que a UFMA – instituição na qual Dino ingressou em 1993 e que hoje está, dela licenciado – o cedesse para a Universidade de Brasília (UnB). Na magistratura, Flávio Dino logo se destacou, chegando, em 2000, à presidência da Associação dos Juizes Federais (Ajufe). Ocupou acento em diversos conselhos, entre os quais, o Conselho da Justiça Federal, em 2000, e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no qual, entre 2005 e 2006, foi Secretário Geral. Dino é autor de quatro livros e, em 2001, concluiu seu mestrado em Direito Público, na UFPE.
                No ano de 2006, Flávio Dino abandonou a magistratura para disputar uma vaga na Câmara dos Deputados. Em função da magistratura, deixara o PT, em 1994. No retorno à vida política, ingressou no PCdoB, partido que militou na adolescência. A política e a magistratura estão em seu sangue. Seu avô, Nicolau Dino, antigo desembargador maranhense, em uma época na qual o mandonismo imperava, era voz dissonante e, em função disso, colecionava, com orgulho, votos vencidos, os quais pensava em publicar. Sálvio Dino, pai de Flávio Dino, é advogado, jornalista e escritor, membro da Academia Maranhense de Letras, e deputado estadual cassado e preso, no golpe 1964. No retorno à vida pública, alinhou-se à oligarquia Sarney.
A biografia do Deputado Flávio Dino, aliada ao seu desempenho parlamentar e à sua militância junto aos trabalhadores do Judiciário, fez com que o Jornal do SISJERN pautasse, para esta edição, uma entrevista com o deputado. Restava consegui-la.
Em busca da entrevista:
Em função da rápida saída de Flávio Dino do Seminário organizado pela FENAJUD, não consegui o que queria naquele momento, marcar uma entrevista com o deputado. O fiz na semana seguinte. Por sorte, hospedei-me na casa de um amigo maranhense, também jornalista, residente em Brasília, que possuía o número do celular de Dino. Uma vez contatado, o deputado disse que teria prazer em conceder a entrevista, porém temia falta de tempo. Orientou-me a procurar Márcia Helena, jornalista que o acompanha há oito anos. Começou aí uma negociação. A agenda de Dino era apertadíssima.
Combinamos – sem nenhuma garantia de eu conseguir o que pleiteava – de eu estar em seu gabinete às 14h do dia 23 de abril, quarta-feira, dia da semana em que o Congresso Nacional ferve. Pouco antes do horário marcado, quando eu almoçava, Márcia Helena me ligou dizendo da possibilidade da entrevista não ocorrer e, mais uma vez – ela já havia proposto isso antes – se dispôs a encaminhar junto ao deputado, um entrevista via e-mail. Corri para a Câmara. Flávio Dino estava de saída para a posse do Ministro Gilmar Mendes, na presidência do STF. Sensibilizada, Márcia tentava me ajudar. O vi passar pela sala (eu estava na recepção) e já fui “cercando-o”, tentando começar a entrevista. Dino até tentou, em função do avançar da hora, me convencer de fazermos o papo via correio eletrônico, mas – repetindo o que eu já havia dito à Márcia – disse-lhe que, para a viabilização da proposta de entrevista especial do Jornal do SISJERN, a presença física era fundamental. Ele aceitou. Inteligente – e também bastante simpático – Flávio Dino impressiona pela forma como organiza suas idéias, ao discorrê-las – mesmo estando apressado, como foi o caso. Na entrevista, ele se mostrou, a cada resposta, um militante disciplinado, fiel às suas idéias, mesmo quando estas se chocam com as de setores que, historicamente, o apóiam. Sua habilidade política ficou mais evidente ainda, ao responder sobre setores mais conservadores – fosse da política, fosse do Judiciário – com os quais Flávio Dino, em campo oposto, sempre negociou, sempre conviveu. É notório seu respeito a tais setores, bem como o seu reconhecimento, quanto aos avanços que estes também proporcionaram.
A entrevista, que durou 37 minutos, você, caro leitor, confere a seguir.
O contexto familiar do senhor teve influência em suas militâncias – no Judiciário e na política?
Meu avô era Desembargador. Foi juiz de carreira desde a década de 30, mais ou menos. Meu pai foi vereador, deputado estadual e prefeito de João Lisboa, próxima à Imperatriz. Ele foi cassado no golpe de 64 sob acusação de ser comunista. Teve seu mandato de deputado estadual cassado, os direitos políticos suspensos e foi preso. No retorno à vida política, alinhou-se aos partidos mais tradicionais. Mas tem esta matriz que foi muito marcante em minha vida pessoal e política. Foi anistiado recentemente, na comissão de anistia, no Ministério da Justiça.
Fale um pouco sobre sua trajetória política até a entrada na magistratura, em 1994.
Em 1983, eu me integrei à Juventude Viração, que era a Juventude do PCdoB. Participei de campanhas democráticas, de reorganização do Movimento Estudantil naquele momento de reconstrução das entidades estudantis livres. Depois fizemos a campanha das Diretas e, em seguida, a campanha que levou a eleição de Tancredo no Colégio Eleitoral, terminando uma fase do processo de redemocratização política do Brasil. Depois me desvinculei do PCdoB e me filiei ao PT.
Fui militante e dirigente do PT durante sete anos, de 1987 a 1994. Acompanhei a Assembléia Nacional Constituinte, campanhas eleitorais. Neste período, conclui o curso de Direito e advoguei para sindicatos, basicamente, durante 5 anos, até ingressar na magistratura federal. Advoguei para muitos sindicatos, dos bancários, de servidores públicos, previdenciários, urbanitários, ferroviários, comerciários, ou seja, muitas categorias, e a assessoria jurídica acabou sendo um pouco também, assessoria política. Em 1994, passei no concurso da magistratura federal e, a partir de 1996, passei a integrar o movimento associativo na magistratura.
Como foi a experiência na magistratura, considerando sua pouca idade e militância de esquerda, num Judiciário historicamente conservador e há pouco saído da ditadura.
A magistratura é muito heterogenia. É um espaço de contradição como toda instituição do Estado, toda instituição humana. Há sempre um estranhamento, há sempre luta, conflito, isso é da natureza das coisas. Eu nunca sacralizei o Poder Judiciário e acho que uma das grandes conquistas democráticas é a dessacralização do Judiciário, a compreensão de que o Judiciário é uma agência em que características de outras instituições estão presentes, entre as quais, a contradição.
Nós procuramos conformar um pólo mais progressista no Judiciário a partir do movimento associativo. Progressista no que se refere à relação do Judiciário com a sociedade, no que se refere ao nível de consciência social dos magistrados, no que se refere à própria auto-organização e defesa de suas reivindicações. Tivemos êxito, pois o movimento associativo da magistratura se fortaleceu muito, hoje é uma realidade consolidada e com uma clara vinculação a essas correntes de pensamento mais mudancistas, mais transformadoras.
E a experiência de presidir a AJUFE?
Inicialmente, fui vice-presidente da AJUFE, entre 1998 e 2000. A AJUFE é uma entidade fundada em 1972, porém, a partir da década de 90, ela ganhou mais importância, em função de a magistratura federal ter crescido muito – nós éramos pouco mais de 100 juizes e passamos para mais de 1000 – mas também por causa da consolidação dessa visão mais moderna, mais avançada da relação do Judiciário com a sociedade, a queda da torre de marfim. Tudo isso estimulou o movimento associativo. Havia também um contexto político que propiciava o protagonismo das associações de magistrados, já que era vigente uma política que entendia que reajustes remuneratórios no serviço público eram um mal em si mesmo. Era a era do apogeu neoliberal que via os servidores públicos como vilões.
Isso, evidentemente, acabou por envolver os juizes e fez com que, naquele momento, a AJUFE e as outras entidades tivessem crescimentos bastante grandes. Presidi a AJUFE no mandato seguinte – de 2000 a 2002 – e ainda fiquei na diretoria até 2004.
Fale um pouco sobre o CNJ e sobre sua passagem por lá. A quem a existência do CNJ – da forma como foi elaborada – agrada e a quem não agrada, dentro do Judiciário?
O CNJ foi um dos maiores debates nessa nova configuração do Judiciário, na tentativa de adequá-lo ao regime democrático, que vem desde a Constituinte. Na ocasião, essa foi uma das grandes polêmicas que dividia o plenário. Dividia o PMDB, que era o maior partido, havendo parlamentares a favor e contra a criação do Conselho Nacional de Justiça.
O CNJ acabou sendo rejeitado e só posteriormente, em 1995, o deputado José Genoino (PT/SP) propôs a criação do Conselho, através de uma PEC que foi juntada a uma PEC do deputado Hélio Bicudo (PT/SP) que tramitava desde março de 1992. Ou seja, até 2004, foram mais de 10 anos de debate. A meu ver sempre ficou evidente que havia resistência, sobretudo, daqueles que acreditavam na absolutização da autonomia como um valor em si mesmo, legítimo.
Prevaleceu uma visão, segundo a qual, a autonomia do Poder Judiciário é importante, mas ela não pode, dentro do regime democrático, ser dissociada da noção de responsabilidade e controle social. Esse balanceamento entre autonomia e responsabilidade social levou à criação do CNJ. Acertadamente, o Congresso aprovou a Emenda 45.
O Conselho logo fez ver sua importância, ao aprovar normas, ao dar uma nova configuração ao Poder Judiciário, ao tornar mais horizontais as relações, no âmbito da própria magistratura, criando espaços para demanda de servidores e magistrados de primeira instancia que não tinham onde veicular suas reivindicações, os seus pleitos. O CNJ vem avançando na direção correta – de ser uma instância de formulação de políticas, de planejamento estratégico, de articulação entre os vários tribunais, de concentração de esforços, de padronizações de iniciativas administrativas, de divulgação de boas iniciativas, de controle disciplinar. Realmente, nesses 20 anos de vigência da Constituição de 1988 e mais de 70 emendas, essa foi uma das emendas constitucionais mais acertadas.
Como se posicionou a AMB?
A AMB, na ocasião, era contra. É a entidade mais importante, do ponto de vista quantitativo. Infelizmente demorou algum tempo para compreender a importância do CNJ. A AMB resistiu até a última hora. Felizmente, hoje, prevalece uma visão diferente. Se, hoje, fosse travado este debate na AMB ou em qualquer outra entidade de magistrados, tenho certeza de que a tese de criação, de consolidação do Conselho Nacional de Justiça seria amplamente majoritária.
Como o senhor ver a AMB? É uma entidade de perfil mais conservador?
Tem sido uma parceira bastante importante das iniciativas relacionadas à defesa de um novo Judiciário. Há um reposicionamento da AMB e hoje eu não vejo muitas diferenças de atuação da AMB, da ANAMATRA e da AJUFE, que são as três entidades nacionais mais importantes. Pelo contrário, felizmente, há uma grande convergência em torno de eixos corretos: de modernização, de abertura, de democratização, de republicanização, combate a privilégios, a imoralidades, etc.
Qual a razão de sua saída do PT e ingresso no PCdoB?
Fatores mais locais, mais regionais. Em um país grande como o nosso, a política local tem uma importância grande. Eu não tenho grandes divergências com o PT – ideológicas ou políticas – mas tenho uma relação antiga de muito respeito pelo PCdoB, que foi meu primeiro partido e nesse meu reingresso na política, o PCdoB era o partido que eu me sentia mais confortável, mais acolhido para ter uma vida política mais ativa, recuperar a plenitude de minha cidadania que, infelizmente, nos marcos do regime constitucional vigente, é negada aos magistrados.
O PCdoB tem – ou ainda tem – influência do pensamento de Stalin, em suas formulações?
Propriamente, não há uma presença do Stalin importante, doutrinária. Há um respeito ao ideário do marxismo-leninismo, um respeito às experiências anteriores, mas o PCdoB rompeu programaticamente com a idéia de modelos, que marcou a história do partido durante muito tempo, essa idéia de que haveria um modelo ideal de socialismo e que esse modelo deveria ser perseguido acriticamente pelo nosso partido, buscando enquadrar realidade brasileira nisso. Ao contrário, as últimas resoluções, tanto do X como do XI Congresso, apontam para a necessidade da busca de um modelo brasileiro de socialismo, que leve em conta a história concreta de nosso país, que respeite nossas tradições culturais e religiosas, a pluralidade democrática, a complexidade geográfica do Brasil. Há um abandono de velhos dogmas para uma visão qualitativamente superior de que – sem abdicar da postura anticapitalista, da crítica ao capitalismo, da defesa dos direitos e da primazia do trabalho sobre o capital – nós temos que ter criatividade e imaginação, como, aliás, dizia o grande Celso Furtado, em sua última entrevista, pouco antes de morrer: “é preciso recuperar o gosto pela imaginação e pela criatividade”.
Durante a magistratura, como funcionava sua militância de esquerda, sua vida partidária, etc.? O senhor chegou a estar no TRE, inclusive.
Eu fui juiz do Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão, de 1995 a 1997, e não houve grandes problemas, em razão disso. É falsa a idéia de que o mundo político é um mundo contaminado e de que o mundo judiciário é um mundo imaculado. Eu não tive nenhum problema em relação a isso, sempre houve uma boa compreensão. Evidentemente, não mantive nenhuma atuação partidária – totalmente apartidário – mas sempre acompanhei e continuei a acompanhar a política, como cidadão, a votar, a ter conversas com amigos, a acompanhar a organização do meio sindical e do meio popular, dando apoio. A AJUFE participou de todas as edições do Fórum Social Mundial de Porto Alegre, buscando integrar o movimento da magistratura ao movimento mais amplo da sociedade civil, ao conjunto dos movimentos sociais. Minha atuação não foi partidarizada, mas sempre foi intensamente politizada neste sentido mais institucional.
O que lhe fez deixar o Judiciário para disputar uma vaga no Legislativo? Como está sendo essa nova experiência?
Um desejo pessoal, subjetivo, acalentado há muitos anos; Havia uma conjuntura política muito favorável no Maranhão em razão do esgotamento do modelo, esgotamento de gerações que dirigem a política em nosso estado. A compreensão de que a política não é um território do mal, que é preciso, pelo contrário, povoá-la de boas idéias, boas intenções, bons propósitos.
Somando o desejo pessoal, as condições objetivas favoráveis no plano estadual e essa percepção mais ampla de que a política deve ser re-significada, deve ser re-enquadrada e deve ser compreendida mesmo como uma imprescindibilidade, como uma tarefa central para a confecção da justiça, me fez, sem negar e sem nenhum tipo de sentimento negativo em relação à condição de juiz, pelo contrário, buscar esse caminho da recuperação da plenitude de meus direitos políticos.
A experiência tem sido bastante boa, acertada. Do ponto de vista pessoal, me sinto recompensado, pelos êxitos, pela possibilidade de desenvolver uma atuação parlamentar que é reconhecida, felizmente, por todos. E lamento muito ter deixado a magistratura. Não gostaria de ter feito isso, o ideal seria ter compatibilizado, mas, infelizmente, a Constituição não permite isso.
O senhor ajudou, apoiando o então candidato a governador, Jacson Lago, a derrotar a oligarquia Sarney que, embora seja uma das mais retrógradas do país, é base do governo Lula – um governo de coalizão. O Senhor é otimista em relação as possibilidades históricas forjadas a partir do momento político atual, considerando, inclusive, o cenário latino-americano e mundial?
O cenário hoje, sem dúvida nenhuma, é melhor do que há 10 ou há 15 anos. Nós vivemos – a partir das vitórias eleitorais de Margareth Tatcher, na Inglaterra, Ronald Reagan, nos EUA, e Helmut Khol, na Alemanha – uma espécie de 20 anos de trevas, porque foi um período em que se imaginava ciclos de prosperidade alimentados exclusivamente pelas leis do mercado e nós sabemos, ao contrário, que o mercado é concentrador, excludente e, por isso, gera injustiças.
Produz uma brutal concentração de riquezas e de poder que negam os valores mais generosos que justificam a presença dos seres humanos sobre a terra. Hoje nós temos um cenário mais multipolarizado. A crise financeira dos EUA, recentemente alimentada pela questão da inadimplência do financiamento imobiliário; As dificuldades que os EUA têm em manter acesso as fontes de energias não renováveis; O caráter sanguinário demonstrado pela guerra do Iraque;
E, ao mesmo tempo, o surgimento de novos eixos vitais de funcionamento da economia mundial, marcadamente a China; Esse movimento de renovação política latino-americana, que tem na eleição do Paraguai, a sua página mais recente, faz com que tenhamos um mundo, pelo menos, mais instigante, um cenário mais aberto às múltiplas possibilidades.
Se não conseguimos realizar plenamente o que desejamos, temos, hoje, possibilidades e caminhos mais abertos para avançar em direção a padrões superiores de desenvolvimento, de realizações de direitos, de construções de condições que propiciem vida mais digna para a maioria da população.
O Senhor está propondo, junto com a deputada Alice Portugal, do PCdoB/BA, uma PEC que acrescenta o art. 93-A na Carta-Magna. No caso de aprovação, abre-se caminho para a unificação salarial dos servidores dos TJ’s. Com base em que, o Senhor defende tal idéia?
O Poder Judiciário é uno. Essa idéia já foi reafirmada várias vezes. Diferente do Legislativo e do Executivo, nos quais as autonomias têm um valor mais importante, no caso do Judiciário, a concertação é o valor mais importante.
O Supremo Tribunal Federal, em duas ocasiões bastante recentes, teve a oportunidade de compreender que existe um Poder Judiciário nacional e que a divisão entre justiça da União e justiça estadual é apenas uma divisão de competências jurisdicionais. Quando o STF referendou a criação do CNJ – indo contra a tese de que deveriam existir um conselho nacional e conselhos estaduais, em nome do principio federativo – fez, exatamente, em homenagem a esse caráter de unicidade do Poder Judiciário no Brasil.
Ora, se esse raciocínio vale no plano orgânico – com a existência, hoje, de uma instância de superposição administrativa, que é o CNJ, ao lado de instâncias de superposição jurisdicionais, que são o STJ e o STF – se isso vale também para a magistratura, – quer seja da União, seja dos estados, dispõe-se de um único estatuto, a Lei Complementar 35 – estão aí lançadas as bases para que essa compreensão haja também em relação aos servidores do Poder Judiciário. Então não há razão para haver essa discrepância de regime tão acentuada.
É lógico que, em um país grande como o nosso, não dá para negar as especificidades regionais. Daí porque, a finalidade dessa Lei Complementar ser editada nessa alteração constitucional. Para termos padrões, parâmetros mais gerais de organização da magistratura, parâmetros que sirvam de moldura para os estados, a partir daí, exercerem suas autonomias.
Então, a partir do momento em que a gente tem uma lei nacional que fixe os parâmetros, as diretrizes, aí nós teremos a possibilidade dos estados legislarem, as assembléias legislativas votarem leis que vão detalhar o que ficou definido nessa lei nacional. É como você diz. É um caminho para… A Emenda Constitucional, por si só, não levará a unificação salarial de todos os servidores automaticamente.
Precisamos ter um modelo constitucional que aponte nessa direção. É isso que nós estamos buscando.
Os magistrados são regidos, estaduais ou federais, pela mesma lei. Não deveria ocorrer o mesmo com os servidores?
A idéia da PEC é justamente essa. Todas as carreiras jurídicas são regidas por leis nacionais. A magistratura tem a sua Lei Orgânica, o Ministério Público tem, a Defensoria Pública tem, a Advocacia Pública tem. Normalmente são leis complementares. Todas essas carreiras jurídicas têm leis gerais. Então a idéia da PEC é abrir caminho para que haja uma espécie de Estatuto Nacional do Servidor do Poder Judiciário.
A PEC que o Senhor está propondo não fere o artigo 96, inciso II, da CF? As assessorias técnicas das comissões não questionaram a respeito?
Há um questionamento cujo qual a PEC levaria a anulação do principio federativo. Nós estamos rebatendo, dizendo que, ao contrário, estamos realizando uma concepção moderna de federalismo. Não é o federalismo dual, estanque, isolado. É o federalismo que compreende que as autonomias não são valores absolutos. Esse é um debate já trilhado em outros momentos. Nós temos, por exemplo, o Sistema Único de Saúde, temos o FUNDEB, temos o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAM).
A LDB é um exemplo?
Claro. Hoje mesmo, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), nós começamos a discutir o Piso Nacional dos Professores. Exatamente dentro da lógica de federalismo consorciado, cooperativo. Então nós estamos discutindo um projeto – que é do governo, inclusive – para que haja um padrão mínimo remuneratório para todos os professores – seja da União, dos estados ou dos municípios.
Uma lei federal, votada no Congresso Nacional, em homenagem a compreensão de que existe uma Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da educação nacional – que é mais do que a educação da União, dos estados ou municípios. A lógica é a mesma. Situa-se no debate histórico sobre o redesenho do federalismo e o afastamento deste modelo mais dogmático atinente a absolutização da autonomia.
Os TJ’s perderão poder com a aprovação da PEC?
Terão condicionamento. Não só os TJ’s, como também as assembléias legislativas. Haverá uma moldura, no âmbito da qual, os Tribunais de Justiça exercerão suas autonomias. É normal isso porque não há instituições que possam se pretender soberanas. Autonomias são sempre relativas. O poder que se auto-normatiza é sempre condicionado diante de outros poderes normativos. Autonomias sempre são condicionadas por outras autonomias. Poder normativo é sempre sujeito a balanceamento. É isso que nós estamos procurando construir.
Qual sua expectativa sobre a PEC, aos olhos do CNJ?
Positiva. Nós temos uma convergência entre o raciocínio que levou a criação do Conselho Nacional de Justiça e o raciocínio que leva à apresentação desta PEC. Ou seja, a criação de padrões nacionais de organização do Poder Judiciário, no caso, também em relação aos servidores.
O Senhor é otimista quanto a aprovação da PEC? Que papel o movimento sindical deve cumprir para que ocorra a aprovação?
Papel determinante. Aqui (Congresso Nacional) é uma casa das grandes emergências nacionais. Uma imensa UTI. Todo dia chega alguém com algum paciente que é mais grave de que o outro. Cada um tem a sua perspectiva do que é que é mais urgente. Os agricultores, os sem-terra, os banqueiros, os industriais, os auditores e assim sucessivamente. Cada um tem a sua emergência. Cada um tem a sua compreensão daquilo que é mais urgente.
Em que eu acredito que o movimento sindical deve fazer? Compreender isto e estar sempre presente, cobrando dos parlamentares a priorização e, ao mesmo tempo, fazer com que o parlamento sinta que há uma demanda social. Numa democracia, os parlamentares não só podem como devem, ecoar o sentimento das ruas.
Existe a possibilidade do governo do Presidente Lula se opor à PEC?
Não creio. Normalmente, em matéria de alteração constitucional dessa natureza, é importante um diálogo com o Ministério da Justiça, mas, do ponto de vista formal, não há nenhuma intervenção do Poder Executivo. Depende apenas de a PEC ter o apoio de 3/5 da Câmara e de 3/5 do Senado e aí ela começa a valer.
Qual o próximo passo, do ponto de vista legislativo, após a aprovação da PEC?
Caberá ao Supremo Tribunal Federal, segundo a PEC, enviar ao Congresso Nacional um Projeto de Lei Complementar que seria essa espécie de Lei Orgânica Nacional dos Servidores do Poder Judiciário. Por que o STF? Em homenagem a independência dos poderes. Se em relação aos juizes é assim. Se em relação aos servidores do Judiciário já é assim, ou seja, nem o Poder Executivo, nem o Legislativo podem apresentar Projeto de Lei sobre os servidores do Judiciário, que seja mantida essa lógica, no caso dessa Lei Complementar, em respeito à repartição triparcional do Estado. 
E se ela não for aprovada? Qual o próximo passo? Tentar via CNJ?
É um plano B que pode ser tentado, inclusive, concomitantemente. Recentemente, em reunião dos servidores, aqui em Brasília, eu estimulei essa idéia de buscar também uma manifestação do CNJ em favor da PEC e, de outra parte, que o CNJ já avance. O CNJ pode já ir construindo padrões nacionais que sejam dialogados com os Tribunais de Justiça e que ajudem a já ir numa evolução, numa aproximação dos vários regimes funcionais hoje vigentes para os servidores.
O Senhor apresentou emenda a um Projeto de outro parlamentar propondo a exigência da graduação em Direito para o exercício da função de oficial de justiça, desde que mantidos os direitos adquiridos de quem já está na carreira. Qual a justificativa de o OJ precisar ser graduado em Direito?
Uma própria cláusula da reforma do Judiciário que remete a quebra da noção segundo a qual o processo judiciário deve ser conduzido apenas pelos juizes.
Nós temos uma demanda judicial crescente e não podemos imaginar, cogitar, que a solução passe sempre por criar mais cargos de juizes, mais tribunais, mais do mesmo, como eu costumo dizer. Até porque nós temos um esgotamento em função dos limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal. É preciso administrar este demandismo, buscar soluções alternativas, desestimulando a alimentação de demandas do Poder Judiciário, do setor financeiro, setor de serviços, governos e, ao mesmo tempo, do ponto de vista do Judiciário, interno, dos seus operadores, haver uma espécie de reengenharia.
O Brasil é um país rico, é verdade, mas com muitas carências. Então se nós temos profissionais qualificados submetidos a concursos públicos, no caso, servidores do Poder Judiciário, porque não aproveitá-los melhor não apenas em tarefas rotineiras e burocráticas. Há uma série de questões que não têm repercussão decisória mais profunda – atos que podem ser praticados por auxiliares, por servidores, oficiais de justiça. O que justifica, então, é essa noção prospectiva de que em algum momento você deve descentralizar competências que hoje são monopólios dos magistrados para outros atores do processo judicial, no caso, os servidores que dispõem de qualificação para tal e é aí que eu situo os oficiais de justiça.
Imaginar que determinados atos decisórios nos processos de execução, execução fiscal, por exemplo, – mais de 500 bilhões de reais para ser arrecadado no âmbito da União – em vez de criar varas e mais varas de execução fiscal ou em vez de desjudicialisar, como muitos pretendem, criando uma espécie de execução administrativa, você pode manter o processo de execução dentro do Poder Judiciário, porém, não dependendo apenas da figura do juiz e sim delegando cada vez mais competências, inclusive, decisórias, para os oficiais de justiça, por exemplo.
Então é um modelo bem avançado. Compreende que, em algum momento, em face da demanda e da lentidão do Poder Judiciário, um dos caminhos venha ser credenciar os auxiliares dos juizes a praticarem mais atos e, pra isso, evidentemente, eles devem dispor da qualificação necessária.
O Senhor concorda com o porte de arma para os OJ?
Não, não concordo. Não por ser por os oficiais de justiça. Recentemente, nós discutimos, na Comissão de Constituição e Justiça, o porte de arma para os fiscais de tributos e eu me posicionei contra, assim como eu sou contra o porte de arma para deputados, senadores, juizes, promotores. Sou radicalmente contra. Arma, quem tem que usar, são as forças do Estado, as forças policiais, as forças armadas, e quem for credenciado para tanto e dispuser do treinamento necessário.
Essa apologia de que todos se armam – o documentário do Michael More, Tiros em Columbine, é bem ilustrativo – conduz a uma sociedade neurotizada e que alimenta ciclos de violência. Por mais que haja risco, todas as atividades humanas envolvem riscos. Quando nós abrimos mão do estado de natureza e fizemos o contrato social para criar o Estado, no paradigma iluminista, nós abrimos mão de uma série de direitos, entre os quais, o de fazer justiça com as próprias mãos.
Então, como filosoficamente eu sou um pacifista, defendo o desarmamento e acredito que nós temos que delegar essa atribuição, de fazer justiça – inclusive pela via da força – às instituições do Estado legitimadas para tanto – no caso, as polícias e as Forças Armadas. Sou contra a extensão de porte de arma para qualquer categoria e ainda digo mais, sou a favor de que os magistrados e membros do Ministério Público deixem de ter porte de arma, a não ser excepcionalmente.
É lógico que um magistrado, um membro do MP, um servidor do judiciário, fiscal de tributos, demonstrando, concretamente, estar sob ameaça e, dispondo ele, de treinamento necessário, poderia ser dado uma autorização excepcional. Mas a generalização disso, como uma espécie de um direito adquirido, o direito de andar armado, eu sou contra, porque sou filosoficamente contra, não apenas em relação aos oficiais de justiça.
Fonte:Fenajude