O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) fixou, nesta terça-feira (03/08), o prazo de 72 horas para que o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) se manifeste, no dissídio coletivo em tramitação na Corte desde maio deste ano, sobre eventuais descontos feitos na folha de pagamento de servidores em greve por meio de ato administrativo. Nesse período, o TJSP deverá avaliar a aplicação do artigo 7º da Lei nº 7.783/89, que regulamenta o direito de greve.
Pela legislação, descontos salariais na folha de servidores podem ser realizados apenas com a negociação após o término da greve ou pelo julgamento de dissídio coletivo. A medida foi aprovada por unanimidade pelo Pleno do CNJ na apreciação do Pedido de Providências (PP000335596201020000000), feito pela Associação dos Servidores do Poder Judiciário de São Paulo e que está sob a relatoria do conselheiro Marcelo Neves.
Os conselheiros e o relator acataram a proposta feita pelo presidente do CNJ, ministro Cezar Peluso, de conceder o prazo de três dias para que o tribunal paulista decida sobre a questão. Terminado o prazo, o TJSP terá outros cinco dias para informar ao CNJ sobre a decisão. No Pedido de Providências, a Associação dos Servidores do Poder Judiciário de São Paulo solicita a suspensão dos descontos efetuados na folha de pagamento de servidores em greve, por ato administrativo do Tribunal.
MB/MM
Agência CNJ de Notícias
EMENTA
VOTO DO RELATOR CONSELHEIRO MARCELO NEVES
PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. 1. Greve de servidores. TJSP. Questão judicializada. Intervenção do CNJ. Eleição de “árbitro”. Impossibilidade. Precedentes. 2. Descontos de parcelas remuneratórias. Ato administrativo que permite o controle por parte deste Conselho. Pedido emergencial de suspensão. Prazo de 72 (setenta e duas) horas para análise da aplicabilidade do art. 7º da Lei nº 7.783/89, pelo TJSP, nos autos do dissídio coletivo. Cabimento. A questão posta no pleito emergencial pode ser analisada por este Conselho, por se tratar de questão eminentemente administrativa, decorrente de ato praticado fora dos autos da matéria submetida à análise judicial. Concede-se, portanto, ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o prazo de 72 (setenta e duas) horas para que avalie, nos autos do dissídio coletivo, a aplicabilidade do disposto no art. 7º da Lei nº 7.783/89 ao movimento de paralisação em curso naquele Tribunal. Impossível, entretanto, a análise meritória dos fatos em razão de sua submissão à apreciação judicial, conforme precedentes desta Corte Administrativa.
RELATÓRIO
Trata-se de Pedido de Providências em que se requer a intervenção deste Conselho Nacional de Justiça para regular atos administrativos praticados pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, os quais teriam o condão de preterir direitos dos servidores.
Aduz a requerente, em síntese, que após inúmeras supostas irregularidades praticadas pelo requerido, finalmente deflagrou-se greve dos servidores daquele Tribunal, tendo sido encaminhada notificação à Presidência do TJSP quanto ao seu início, conforme documentação juntada à presente. No entanto, o Tribunal estaria inerte quanto à possível discussão sobre as reivindicações dos grevistas.
Alude, também, que o orçamento do Tribunal tem sido aplicado tão-somente no pagamento de verbas a magistrados, como, por exemplo, indenização de férias, licença-prêmio, auxílios moradia e voto, correção monetária, dentre outras vantagens não previstas na LOMAN; e que tais pagamentos teriam sido "realizados fora do contracheque, ou seja, diretamente na conta corrente dos magistrados, em total detrimento aos direitos dos servidores".
Noticia, ainda, que o Tribunal requerido não tem permitido a participação de servidores na elaboração da proposta orçamentária, conforme preceitua a Resolução nº 70 do CNJ.
Por fim, requer providências concretas por parte deste Conselho no sentido de "intervir" no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nomeando um dos Conselheiros como "árbitro" para analisar o pleito dos servidores, aduzindo, para tanto, não se tratar de interferência na administração do Tribunal, mas apenas de regular seus atos.
Em resposta, o requerido sustenta, preliminarmente, a ocorrência de prevenção quanto ao pedido da inicial, referindo-se a outros processos em trâmite neste Conselho, com matéria supostamente idêntica à do presente.
No mérito, refuta a tese do requerente quanto à alegada inércia do Poder Judiciário paulista em relação ao movimento grevista, esclarecendo que contatos têm sido feitos com os Poderes Executivo e Legislativo locais para a solução do impasse, dando origem à aprovação da Lei Estadual nº 1.111, de 25 de maio de 2010, instituindo o plano de cargos e carreiras do TJSP.
Apresenta demonstrativo de pagamento de passivos a servidores, totalizando cerca de dezoito milhões de reais.
Aduz, ainda, que a proposta orçamentária do Tribunal tem privilegiado a participação dos servidores nos termos da Resolução nº 70 do CNJ, contrariando o argumento do requerente. No entanto, ressalta que o resultado da intervenção dos servidores na elaboração do orçamento não é vinculante, mas apenas "orientativa da atuação estatal".
Quanto ao evento grevista, o Tribunal requerido informa que o tema está submetido à análise judicial, por meio de "dissídio coletivo" em trâmite desde 12 de maio do corrente ano, o que afastaria a competência do CNJ para o deslinde da questão.
Finalmente, explica que a Resolução nº 520/2010 editada pelo Órgão Especial do TJSP é imprescindível "para garantir o acesso à jurisdição, vez que o movimento grevista não apresentou qualquer alternativa à descontinuidade do serviço público essencial à população, que é o serviço prestado pelos servidores do Poder Judiciário", e junta precedente do Supremo Tribunal Federal (Reclamação nº 6568/SP, Rel. Min. EROS GRAU, j. 21/5/2009) onde ficou assentada a inaplicabilidade do "direito de greve" aos servidores públicos "que exercem atividades relacionadas à manutenção da ordem pública e à segurança pública, à administração da justiça (…)".
Em seguida, o requerente retorna aos autos comunicando novos fatos de que o Tribunal requerido estaria efetuando descontos nos vencimentos dos servidores como forma de punir a paralisação deflagrada pelo movimento grevista.
Aduz que tal conduta ofende a legislação estadual do servidor público paulista, bem como a legislação federal e precedentes do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que eventuais descontos salariais somente podem ser realizados com a negociação após o término da greve ou pelo julgamento do dissídio coletivo, conforme alega.
O requerente complementa o pedido acima, em petição avulsa, no sentido de que este processo seja remetido à Corregedoria Nacional de Justiça para avaliação de possível instauração de Inspeção in loco no âmbito do TJSP, a fim de que sejam constadas as irregularidades apontadas para sua efetiva correção; bem como pede que os descontos em folha de pagamento de servidores sejam imediatamente suspensos, até que haja manifestação da Corregedoria.
É o meu relatório.
VOTO
1. Primeiramente, em relação à aludida prevenção suscitada pelo Tribunal requerido, entendo que apenas alguns temas aqui tratados estão relacionados a outros processos em trâmite nesta Corte Administrativa. Não obstante, o próprio requerido colaciona precedente de lavra da Conselheira Morgana Richa, a qual cita voto de minha autoria, proferido nos autos do PCA nº 15600, demonstrando que a prevenção original para o tema é minha, e não da i. Conselheira.
2. Ainda que assim não fosse, o fato de haver um ou dois temas de prevenção de outro Conselheiro desta Casa, tal fato não impediria de per si a análise dos demais, e apenas reflexamente dos abrangidos pela prevenção, desde que o resultado final da demanda não causasse contradição ou esvaziamento da primeira decisão, pela manifestação superveniente deste relator.
Superada a preliminar, passo à análise de cada um dos temas trazidos pela Associação requerente.
3. Assiste razão ao requerido no ponto em que alega o afastamento da competência deste Conselho para análise específica do movimento grevista, uma vez que o mesmo encontra-se sob tutela jurisdicional. São fartos os precedentes nesse sentido. Entendo, portanto, que a submissão da paralisação dos servidores ao acerto judicial retira por completo a possibilidade de análise dessa questão pelo CNJ.
4. Em relação ao pagamento de verbas a magistrados em detrimento dos servidores, tais fatos estão sendo apurados nos autos do PCA nº 15600 em trâmite nesta Corte, inclusive sob minha relatoria, conforme já afirmado acima. Daí não ser viável o revolvimento de matéria idêntica neste processo, por importar em situação análoga ao instituto da litispendência, do sistema processual brasileiro, que se aplica subsidiariamente às lides aqui propostas.
5. Quanto à participação de servidores na elaboração do orçamento do Tribunal, tem sido comum a indignação de entidades representativas diante da recusa dos Tribunais em acatar as sugestões apresentadas nas reuniões de elaboração dos projetos de lei orçamentária. Tal ocorre porque se faz uma equivocada interpretação das disposições da Resolução nº 70. O que se pretende é a participação dos servidores, mas, em nenhum momento, quis a Resolução retirar a autonomia dos Tribunais na escolha do que entenda ser o melhor e mais viável para o orçamento do Tribunal. Mesmo porque, a missão do CNJ, conforme texto expresso da Constituição Federal (art. 103-B, § 4º), é zelar pela autonomia do Poder Judiciário nacional. O tolhimento indevido das atribuições típicas da rotina administrativa dos Tribunais, sem a respectiva demonstração de eventuais irregularidades, resvalaria em abominável ofensa ao estabelecido pelo poder reformador.
Nesse sentido, concluo que as questões postas no presente estão prejudicadas, seja pelo advento da submissão da matéria do "movimento grevista" à solução jurisdicional, seja pela litispendência das demais matérias em processos já instaurados nesta Corte Administrativa, acrescidos da impossibilidade deste Conselho, regimentalmente, portar-se como intermediador de dissídios trabalhistas.
6. Quanto ao último pleito emergencial proposto pelo requerente, foram encaminhados à Corregedoria Nacional de Justiça documentos que supostamente comprovam o alegado, para conhecimento e adoção de possíveis providências, os quais retornaram-me com o seguinte despacho:
"Não vislumbrando nos documentos que acompanham o ofício oriundo do Gabinete do Senhor Conselheiro Marcelo Neves matéria de competência da Corregedoria Nacional de Justiça PIS e que se acomodam às suas atribuições regimentais, restituam-se à origem".
Nesse sentido, está prejudicada a análise do presente pela Corregedoria Nacional de Justiça.
7. No entanto, entendo que há denúncias graves em relação à suposta prática de atos que, por terem natureza eminentemente administrativa, permitem a intervenção imediata deste Conselho, especialmente os referentes a descontos supostamente ilegais e indevidos em folha de pagamento de servidores, realizados pelo Tribunal requerido, contrariando jurisprudência sobre o tema (MS nº 13.582, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJE de 8.8.2008 – STJ; RMS nº 21.360, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJ de 10.9.2007 – STJ; AgRg na MC nº 16.774, rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJE de 25.6.2010 – STJ; MI nº 670/ES, rel. Min. Maurício Corrêa, red. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes; MI nº 708/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, DEJ de 31.10.2008; MI nº 712/PA, rel. Min. Eros Grau, DJE 31.10.2008), as quais somente permitiriam tais descontos após expressa declaração judicial quanto à ilegalidade do movimento de paralisação.
Além disso, o requerente cita dispositivo do Estatuto do Servidor Público Paulista (Lei Estadual nº 10.261/68, art. 111), que limita em 10% (dez por cento) eventuais descontos decorrentes de eventos que causem prejuízos à Fazenda Pública Estadual.
A edição de ato administrativo pelo Tribunal requerido visando o desconto de parcelas remuneratórias em valores aparentemente superiores ao previsto na legislação aplicável à espécie apresenta contornos de abuso ou desvio de poder, o que serve de supedâneo para a adoção de medidas emergenciais, a fim de conter a repetição de atos desta natureza.
8. Também causa perplexidade a notícia de que o Tribunal requerido tenha apresentado resistência em receber os servidores para negociar o fim da paralisação, trazendo sérios gravames à prestação jurisdicional.
Tais fatos clamam solução célere.
9. Diante do exposto, determino a intimação do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para que avalie, em 72 (setenta e duas) horas, a aplicabilidade do disposto no art. 7º da Lei nº 7.783/89 em dissídio coletivo, nos termos do que decidido durante o julgamento do presente na 109ª Sessão Ordinária, de 3 de agosto de 2010.
Após a resposta do Tribunal requerido, no prazo sucessivo de 5 (cinco) dias, retornem-me os autos para análise do pedido de suspensão dos descontos em folha de pagamento.
Intime-se, com urgência, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo sobre os termos desta decisão.
É o meu voto.
Brasília, 3 de agosto de 2010.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO 109ª SESSÃO ORDINÁRIA
PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS Nº 0003355-96.2010.2.00.0000
Relator: Conselheiro MARCELO NEVES
Requerente: Associação dos Servidores do Poder Judiciário do Estado de São Paulo – ASSOJURIS
Requerido: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
CERTIFICO que o PLENÁRIO, ao apreciar o processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
“O Conselho, por unanimidade, decidiu:
I – por unanimidade, incluir em pauta o presente procedimento, nos termos do § 1º do artigo 120 do Regimento Interno;
II – determinar ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, no prazo de 72 (setenta e duas) horas, aprecie no dissídio coletivo a aplicação ou não do artigo 7º da Lei nº 7.783/89 aos descontos. Ausente, justificadamente, o Conselheiro Ministro Gilson Dipp. Presidiu o julgamento o Ministro Cezar Peluso.
Plenário, 3 de agosto de 2010.”
Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Ministro Cezar Peluso, Ministro Ives Gandra, Milton Nobre, Leomar Barros Amorim, Nelson Tomaz Braga, Paulo Tamburini, Walter Nunes, Morgana Richa, José Adonis Callou de Araújo Sá, Felipe Locke Cavalcanti, Jefferson Luis Kravchychyn, Jorge Hélio, Marcelo Nobre e Marcelo Neves.
Ausentes, justificadamente, o Procurador-Geral da República e o Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
Brasília, 3 de agosto de 2010
Mariana Silva Campos Dutra/ Secretária Processual